Quando começou, 2020 trouxe bons presságios para a tatuadora Kamila Elizabeth Coelho da Cruz. Há três anos tatuando e desde 2018 no estúdio Ateliê Usina, a artista viajou ainda no começo do ano pela América do Norte para mostrar seu trabalho, com direito a agenda lotada em Montreal, no Canadá. No retorno ao Brasil, a viagem internacional mostrou render bons frutos e a procura por parte de tatuados e dispostos a se tatuar vinha aumentando. Mas aí veio a pandemia do coronavírus e tudo mudou.
Desde março com o estúdio fechado, Kamila se viu do dia para a noite sem renda e sem poder trabalhar. Mesmo com o desconto conseguido no valor do aluguel do Ateliê Usina, ainda faltava grana para conseguir se manter, pagar todas as contas. Foi quando, no final de maio, ela teve uma ideia: criar uma campanha de arrecadação on-line, chamada “Uma tattoo top depois da quarentena”.
Desde que teve início o período de isolamento social, iniciativas desse tipo vão se tornando cada vez mais comuns pelo país. Recentemente, a Associação brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) superou a marca de R$ 6 bilhões arrecadados durante a pandemia.
Apenas a plataforma Vakinha, referência ao lado de sites como Catarse e Kickante, já recebeu mais de 250 mil novas campanhas desde fevereiro, movimentando R$ 15 milhões com vaquinhas ligadas ao período de pandemia. Ao todo, já são mais de 1 milhão de iniciativas cadastradas na plataforma ao longo dos anos, sendo que 40% delas tem viés solidário.
Uma das iniciativas desse tipo, por exemplo, é o Sopão Curitiba. Criado em meados de 2018 por estudantes de Direito da Unicuritiba, o projeto realiza distribuição de alimentos e itens de higiene todos os sábados, na região central da cidade, com foco principal em atender moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“O país está vivendo um momento difícil, que contribui para o crescimento do número de pessoas em vulnerabilidade social. E é importante a sociedade continuar se importando, interessando e entendendo a realidade das pessoas nas ruas”, afirma Camila Rodrigues, uma das integrantes do projeto.
Para apoiar a iniciativa, é possível contribuir por meio de doações através da campanha criada na plataforma Vakinha ou então realizar doações financeiras ou de alimentos por meio do PicPay ou através de depósito em conta bancária (para mais informações, contate o pessoal do Sopão Curitiba por meio das redes sociais). “Estamos dando preferência à doação em dinheiro para evitar muitas pessoas circulando, contaminações”, explica Camila.
‘É o que me salvou durante a quarentena’
A tatuadora Kamila conta que a ideia de criar uma campanha de arrecadação surgiu quase que por acaso. Antes da pandemia, uma amiga havia questionado sobre a possibilidade de criar uma espécie de fundo para uma tatuagem, pagando um valor todo mês para a profissional até conseguir arrecadar o montante total para fazer a tattoo.
Além disso, embora nunca tivesse feito uma campanha dessas, Kamila também acompanhava muitos quadrinistas que já tirava parte de suas rendas por meio dessas plataformas, com campanhas parecidas de assinatura mensal.
“Eu comecei a campanha no final de maio para junho e já consegui um total de 12 assinantes.
A meta é de R$ 800 por mês, que mais ou menos pagaria as minhas contas, e estou em R$ 720. Está indo bem melhor do que eu esperava”, conta a profissional, que já cogita tornar a opção criada em tempos de crise em algo permanente. “Assim que acabar o período de isolamento, vou perguntar para as pessoas que estão assinando, para as pessoas que me seguem [nas redes sociais] se elas têm interesse em manter. Até aqui, gostaram da ideia. É como se pagasse uma tatuagem parcelada”, explica.
O retorno por parte dos clientes, inclusive, tem surpreendido a tatuadora. “Não esperava, não achei que fosse ter tantos apoiadores e, definitivamente, é o que me salvou financeiramente durante a quarentena, porque não vendi muitas tattoos ou arte em geral. Foi o que me salvou e quero agradecer aos apoiadores e à plataforma”, afirma a artista.
De sopão a churrasco: se adaptando às necessidades
Quando foi criado, a proposta do Sopão Curitiba era atuar apenas no inverno, fornecendo sopa semanalmente à pessoas em situação de vulnerabilidade social. Curiosamente, porém, em apenas duas ocasiões o projeto forneceu, efetivamente, sopa aos moradores de rua. É que na medida em que a iniciativa foi ganhando corpo, também foi necessário realizar adaptações no projeto original, até para adequar a proposta às necessidades concretas das pessoas mais vulneráveis.
“A proposta era de sopa, mas foram entrando novas pessoas que trouxeram outras ideias, inclusive pessoas bem mais velhas do que nós. Então o sopão alterou um pouco o foco e também porque visualizamos que a necessidade das pessoas na rua não se limitava apenas às sopas”, explica Camila Rodrigues.
Ainda segundo ela, já é possível notar um aumento significativo no número de pessoas em situação de vulnerabilidade, até por conta da crise instalada em decorrência da pandemia de coronavírus. “Muitas pessoas que perderam seus empregas e se viram nessa situação”, afirma Camila, que convidando os curitibanos a apoiarem o Sopão ou mesmo outros projetos sociais na cidade. “Graças a Deus percebemos que Curitiba tem um grande número de projetos com o mesmo ideal do nosso, que é confortar famílias carentes e pessoas em situação de rua.”
Bem Paraná